Enquadradas no programa Barcelona Producció 2025, as exposições de María Alcaide e Pol Merchan exploram dinâmicas de poder, representação e resistência por meio da performance, do vídeo e das artes digitais. Duas abordagens que, apesar de partirem de referências distantes, compartilham o desejo de repensar o estabelecido: seja um território sagrado ou um arquivo visual controlado.
María Alcaide: entre o mito e o extrativismo
No Espai Capella, María Alcaide apresenta La romería de los cornudos, uma investigação visual que parte do balé homônimo de Federico García Lorca e Cipriano Rivas Cherif (1933) para fazer uma leitura crítica da peregrinação de El Rocío e seu ambiente natural e social. A proposta articula uma história contemporânea por meio de vídeos, dança, música e criação de figurinos, e se insere em uma perspectiva hidrofeminista que questiona os usos do território e suas implicações.
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A partir da paisagem do Parque Nacional de Doñana e suas áreas limítrofes — turísticas, agrícolas e industriais — Alcaide desenvolve uma reflexão que atravessa temas como fertilidade, espiritualidade, exploração laboral e ambiental, ou a violência simbólica do folclore. O projeto coloca a superexploração dos recursos naturais em diálogo com formas de trabalho precário e mecanismos de controle cultural, apontando como a produção simbólica e material é profundamente permeada pela violência extrativista em múltiplas dimensões e estruturas de poder.
A carreira de Alcaide inclui exposições em instituições como o Frankfurter Kunstverein, o Bauhaus Archiv de Berlim, Can Felipa ou Matadero Madrid, e foi reconhecido com bolsas e prêmios como o Generación 2021 ou a bolsa de produção da Fundação ”la Caixa”.
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Pol Merchan: imaginários alterados e resistência audiovisual
Em Espai Rampa, La pantalla mutante de Pol Merchan propõe uma incursão crítica e especulativa no cinema de gênero produzido durante o fim do regime franquista. Por meio de técnicas digitais, modelagem 3D e inteligência artificial, o artista reescreve os códigos do horror espanhol para transformá-los em um espaço de insurgência queer e dissidente.
Merchan usa recursos de imagens geradas por computador para dar corpo a uma criatura cinematográfica híbrida, mutável e inconstante, que ultrapassa os limites da representação. Se antes era o Estado que decidia quais imagens poderiam circular, agora são os sistemas automatizados que delimitam as margens do que pode ser representado, impondo filtros e censuras que respondem a critérios normativos —muitas vezes cis heteronormativos— que excluem corpos dissidentes e áreas consideradas inapropriadas, como genitais ou mamilos. Nesse contexto, a tela se torna um campo de batalha simbólico onde subjetividades queer desafiam os limites impostos por uma nova hegemonia algorítmica.
Com uma carreira consolidada como artista e cineasta, Merchan expôs seu trabalho em festivais e centros internacionais como o Museo Reina Sofía, o Rotterdam IFF, o Dok Leipzig ou o Anthology Film Archives em Nova York. Ele também é curador do Xposed Queer Film Festival em Berlim.
La pantalla mutant, Pol Merchan. © Pep Herrero