Da arte, frequentemente avançamos para o mundo de amanhã. A arte já se diluiu na vida, que ao mesmo tempo se tornou uma imitação da arte; e nas melhores escolas de marketing estimula-se o mais genuíno culto à personalidade. O mesmo poderia ser dito do gênero, das curadorias, das hibridizações, das ideias emergentes já anunciadas na prática artística há décadas. Poderíamos fazer a mesma leitura do ofício do curador. Como David G. Torres alerta em seu último — e brilhante — ensaio The Mirror Eye, hoje, na selva contemporânea, todos atuam mais ou menos como curadores. A tarefa do curador é análoga à da maioria dos mortais quando temos que pensar, selecionar, relacionar e disseminar as aventuras da vida na esfera digital. E quem não o faz? Alguém já deve ter notado a ascensão da figura do curador de conteúdo no campo do marketing digital.
A IA vem detectando a criação desse novo modus vivendi desde 2009, por um guru do neomarketing digital, o autor de best-sellers e autor do Wall Street Journal, Rohit Bhargava, o mesmo que se anuncia nas redes sociais como curador de tendências. Como se possuído pelo espírito de Harald Szeeman, em 2009 o Sr. Bhargava publicou o Manifesto para o curador de conteúdo, um guia para a formação de uma das profissões, segundo o guru, que mais cresceu nos últimos anos. Bhargava se inspirou nos curadores de exposições para extrapolar os princípios de seu trabalho para o mundo digital. Assim, o curador de conteúdo é aquela figura que, diante da quantidade avassaladora de treinamentos que existe hoje em relação a um determinado tópico ou perfil, é capaz de pesquisar, filtrar, ordenar, propor e comunicar informações selecionadas e de qualidade. Você ouve algum sinal tocando?
Essa realidade crescente contrasta com a vida do curador de exposições. Segundo a Radiografia del comisariat del CONCA (2024), são pouquíssimos os que conseguem se dedicar exclusivamente a ela; e os que o fazem, sobrevivem por meio de atividades derivadas que surgiram nos últimos anos, como a direção artística ou o ensino. O professor de arte, Quando ele dá sua própria aula, não imposta, ele está curando conteúdo artístico: uma filtragem de qualidade onde há pesquisa, discurso e comunicação. O mesmo na direção de arte: programar é pesquisar, estruturar, relacionar, no melhor dos casos é também cuidar (de artistas, de públicos, de conteúdo). Mas certamente o que todos nós gostaríamos é poder viver em exclusividade como curadores de exposições gratuitas e sem vínculos estruturais com instituições. É a prática ideal da nossa profissão, que por sua inviabilidade talvez devêssemos deixar de chamá-la assim. Enquanto alguns de nós sonham ou buscam práticas curatoriais substitutivas, outros canibalizam nossos traços identitários para ascender no mundo digital. Mas há uma atitude que fica pelo caminho: o olhar crítico da arte, isto é, para o mundo, que queremos celebrar, sim, mas também, e principalmente, mudar.