A galeria FUGA acolhe o projeto Cruzando la línea, da artista Agustina Fioretti (Argentina, 1991), uma proposta que parte de uma história pessoal para abrir questões mais amplas sobre fronteiras, rituais de passagem e relações de poder. Radicada em Barcelona e formada em economia e fotografia pelo International Center of Photography, em Nova York, Fioretti articula sua prática a partir de sua própria experiência migratória e da de gerações anteriores, explorando a liminaridade como espaço de trânsito e transformação.
O ponto de partida do projeto é uma viagem de barco entre Buenos Aires e a França, onde o avô do artista foi convidado a representar Netuno em uma cerimônia simbólica ao cruzar o Equador. Apesar do tom aparentemente festivo e ligado ao turismo, esse tipo de prática escondia uma longa tradição marítima marcada por hierarquias de gênero e estruturas de dominação.
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De hoje até 30 de julho, Fioretti propõe uma viagem por diferentes trajetórias que cruzam essa linha imaginária, questionando o que significa fazê-lo. Por meio de vídeos, fotografias, materiais de arquivo, objetos, tecidos e histórias pessoais, a exposição contrasta o componente festivo da cerimônia com seu contexto histórico, marcado por rituais de passagem que buscavam transformar os marinheiros em homens “preparados” para o que viria além do Equador, muitas vezes percebido como uma entrada para territórios desconhecidos e selvagens. Essa prática, enraizada desde o século XVI e ligada à expansão colonial após a conquista da América, envolvia oferecer sacrifícios simbólicos ao mar ou aos deuses como garantia de uma passagem segura. Longe de ser uma simples tradição marítima, essas cerimônias — reservadas exclusivamente aos homens — tinham um forte componente simbólico e violento: os neófitos eram vestidos como mulheres, espancados e humilhados com o objetivo de extirpar qualquer traço associado à feminilidade, considerado na época um sinal de fraqueza.
A instalação também se concentra no presente, conectando esse olhar crítico sobre o ritual com o porto de Vilanova i la Geltrú. Lá, coexistem duas comunidades que trabalham de forma precária e quase invisível: de um lado, as reparadoras de redes, mulheres que consertam redes e que durante anos só puderam acessar essa profissão dentro do mundo da pesca; e, de outro, imigrantes sem documentos que, apesar de terem sido pescadores em seus países de origem, são proibidos de retornar ao mar por questões legais. Esse contexto permite à artista estabelecer paralelos entre antigas práticas hierárquicas e as dinâmicas atuais de desigualdade nas esferas trabalhista e social.
A exposição também inclui uma atividade paralela no dia 9 de julho, às 18h30, com uma ativação sonora de Mireia Molina Costa, ligada à tradição musical das habaneras. Esta proposta complementar acrescenta mais uma camada de leitura a uma pesquisa que não só questiona o passado, mas também torna visíveis histórias e realidades contemporâneas que muitas vezes não temos em mente.