Um sorvete verde, um daqueles sorvetes de menta com chocolate que os estrangeiros adoram, meninos sem camisa e uma menina de no máximo 20 anos com um suéter de gola alta, camisa de manga curta e calça jeans. É uma fotografia de Martin Parr, fotógrafo inglês. Recentemente, fez parte da exposição "Os anos 80: Fotografando a Grã-Bretanha", na Tate Britain, em Londres, uma exposição que buscou criar um retrato fiel da sociedade britânica na década, e desta vez reescrevê-la visualmente, sem ignorar fatores determinantes como o racismo consolidado, uma grave crise econômica e as consequências do thatcherismo durante os dez anos de mandato do primeiro-ministro.
Fotógrafo e documentarista, Martin Parr adota uma postura satírica e sem filtros diante da realidade mais mundana. Sem romantismo nem idealismo, Parr brinca com o kitsch e a realidade da Inglaterra profunda. A série fotográfica à qual a foto pertence, "The Last Resort", é um jogo de palavras entre "last resort" e "resort", como termo usado para se referir a um resort de verão ou complexo turístico. Alguns dizem que captura e personifica a "essência britânica" do momento. Parr se afasta do londrino-centrismo e escolhe New Brighton, uma cidade costeira na Baía de Liverpool, no centro-oeste da Inglaterra, despretensiosa e operária.
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Tiradas entre 1983 e 1985, em cores saturadas, numa época em que o preto e o branco ainda prevaleciam, as fotografias parecem glorificar a deterioração da sociedade britânica, de forma quase provocativa. Em The Last Resort, a identidade popular se afasta da ideia pomposa e protocolar de coletes, blazers, chapéus, meias e saltos. Acostumados a décadas de conjuntos polidos e engomados, nas fotografias de Parr os personagens usam as mangas arregaçadas, os colarinhos amassados e os botões desabotoados. Alguns nem se dignam a usar camiseta e andam com o torso descoberto. E maiôs, é claro. Uma falta de decoro que responde à era de transformação que ocorreu na Grã-Bretanha nos anos oitenta, uma época tumultuada que ainda é lembrada com raiva e ressentimento. Uma crise latente, marcada pela crise da mineração, pela desindustrialização no país que inventou a industrialização e pela queda da indústria tradicional, devido à centralização econômica na capital.
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Como em qualquer crise, a vestimenta se torna medida e descuidada. A praticidade triunfa e, como vemos nas fotos, os protagonistas, em grande parte devido ao contexto de verão, não veem necessidade de formalidade; o maiô como roupa aceita (roupas frequentemente proibidas em espaços públicos). É a ascensão de roupas esportivas, logotipos e marcas. Conforto e roupas simples. Em tempos de sofrimento, não pensar é priorizado, e a roupa deixa de ser prioridade: "Primeiro eu como, depois me preocupo em me vestir". A propaganda se estabelece como mais uma estampa. O merchandising como símbolo de status. E por que não? O setor de serviços e a sociedade de bem-estar social triunfam. O poliéster e a produção em massa se consolidam. Os anos oitenta testemunharam uma mudança paradigmática entre o "antes" e o "agora", passando da formalidade para o coloquialismo. É por isso que as fotografias de Martin Parr são marcantes, porque contrastam com uma ideia que temos difundida, mas externa, da cultura britânica, uma sociedade costumbrista que quer preservar a arte da alfaiataria e venera Savile Row, galochas e casacos impermeáveis, da mesma forma que continua a venerar e celebrar a monarquia, a começar pelo casamento dos príncipes de Gales em 1981. Martin Parr documenta a passagem do clichê do inglês como ele deve ser para o inglês que passa de se vestir com os melhores tecidos a idolatrar Zara, Primark e Topshop.
Martin Parr. The last resort, 1983-1985. © Martin Parr / Magnum Photos