Salvador Dalí definiu A Madona de Portlligat como um de seus manifestos vitais. Não se tratava apenas de uma pintura monumental, mas do epicentro de um novo misticismo nuclear que buscava conciliar ciência e religião, passado e futuro, corpo e espírito. Após percorrer mais de 10.000 quilômetros desde Fukuoka (Japão), esta obra icônica chega agora a Figueres pela primeira vez, exposta no Teatro-Museu Dalí de 17 de setembro de 2025 a 22 de fevereiro de 2026. É um momento histórico: a obra não pisava em solo catalão desde 1952, quando foi exibida na 1ª Bienal de Arte Hispano-Americana.
A exposição, com curadoria de Montse Aguer, diretora dos Museus Dalí, e a colaboração de Rosa Maria Maurell, Lucia Moni, Clàudia Galli e Maria Carreras, torna-se mais do que uma simples exposição. É uma viagem imersiva que explora os múltiplos significados da Madona: a conexão com o Renascimento, o simbolismo atômico, o diálogo com Gala e a ligação com a paisagem do Empordà. Por meio de recursos audiovisuais, pedagogia e publicações especializadas, a exposição busca resgatar a complexidade de uma obra que sintetiza a ambição de Dalí de transcender os limites da pintura.

A exposição se situa na última etapa da jornada do visitante ao Teatro-Museu Dalí, em Figueres. Neste espaço final, pintado em amarelo e azul — as cores do misticismo para as quais Dalí queria projetar sua obra —, a obra adquire uma potência visual e intelectual inusitada. Fotografia, vídeo e pintura dialogam em um showroom que se transforma em uma experiência total: um deleite para os olhos e para o espírito crítico.
O passeio enfatiza o contexto histórico. Em 1949, Dalí pintou uma primeira versão da Madona, de dimensões reduzidas, que apresentou ao Papa Pio XII com o desejo de casar Gala para a Igreja. No verão de 1950, criou uma segunda versão monumental na oficina de Portlligat, marcada por seu fascínio pela física nuclear após Hiroshima e Nagasaki. A obra, cercada por elementos flutuantes que simbolizam a decomposição da matéria, dialoga com o classicismo renascentista e projeta Gala no papel central da Virgem Maria. Dalí escreverá em suas memórias: "Gala, você é a realidade".

A dimensão internacional da Madonna também está documentada. Em novembro de 1950, ela foi apresentada na Galeria Carstairs, em Nova York, em uma instalação quase teatral: a tela, grande demais para caber no elevador, foi içada com cordas da rua até o quarto, sob a supervisão do próprio Dalí. A cena, imortalizada pelo fotógrafo Mark Kauffman para a revista Life, resume o caráter espetacular do artista. Posteriormente, a obra percorreu os principais palcos da arte mundial, de Paris a Milão.
Mas o projeto não se limita à obra pictórica. A Fundação Dalí editou uma publicação monográfica com textos de Montse Aguer, Maria Carreras, Bea Crespo, Clàudia Galli, Rosa M. Maurell e Lucia Moni, entre outros, e criou um microsite com recursos em quatro idiomas, incluindo um storymap interativo e um visualizador de alta resolução. O programa educacional oferece oficinas e atividades para o ensino fundamental, médio e bacharelado artístico, na tentativa de tornar a Madona não apenas um ícone museológico, mas também uma ferramenta pedagógica viva.

A exposição também inclui um audiovisual de quatro minutos que narra a fascinante jornada da obra ao redor do mundo. Dirigido por David Pujol e produzido pela Fundação Dalí, o audiovisual utiliza material de arquivo e documentos inéditos que iluminam a trajetória internacional da Madonna. O conjunto constitui uma proposta que busca não apenas comemorar a história de uma obra, mas também reativá-la no presente como símbolo de harmonia entre arte, ciência e espiritualidade.
Em suma, A Madona de Portlligat . Uma explosão onírica não é apenas uma exposição. É um ato de reivindicação histórica e cultural: trazer a Figueres, no coração do Empordà, uma das obras que melhor personifica a ambição universal de Dalí. Um ícone que combina tradição e modernidade, misticismo e experimentação, e que hoje, mais de setenta anos depois, continua a nos falar com a mesma força visionária.