Este é o título do documentário de Albert Serra sobre Antoni Tàpies encomendado pela Fundació – Museu Tàpies, tudo me fazia prever um desastre. Sou fã de Albert Serra, como mencionei na época e está escrito, quando o fizeram Leopardo de Ouro com o filme História da minha morte, mas ontem, dia da fumaça branca de Leão XIV, nosso Leopardo consumou o sacrifício de um dos meus artistas admirados.
Fui à Filmoteca com a intuição de que era impossível para um daliniano confessar como Albert Serra poderia fazer algo interessante sobre Tàpies. Confesso e darei apenas um exemplo: no dia 26 de outubro de 2013, no Pompidou, Hans Ulrich Obrist e Albert Serra completaram o desafio maratona de passar uma noite inteira falando sobre Dalí ao lado de outros artistas. É apenas um exemplo da grande paixão de Serra por Dalí. O mesmo desprezo que Tàpies tinha pelo gênio de Figueres, como nos lembrou Arnau Puig ao dizer que quando Tàpies escreveu L'art contra l'estètica e também em La pràctica de l'art ele fez uma acusação contra a arte figurativa e outras derivas dalinianas, entendendo que era uma expressão artística anacrônica e regressiva. Essa animosidade tomou a forma de um sonho narrado por Santos Torroella. Isto foi recordado por Pau Nualart no Núvol em 25-2-24:
Numa noite de setembro de 1987, em Cadaqués, após uma reunião no Bar Boia, Rafael Santos Torroella tem um sonho maravilhoso: é informado da agonia de Salvador Dalí e parte em uma jornada para testemunhar sua morte na companhia de Antoni Tàpies. Duas visões colossais, mesmo para o subconsciente. Tàpies dirige o carro até a beira de um campo coberto de ervas daninhas. Eles abandonam o veículo e pegam a estrada que leva ao local onde Dalí sofre sua provação. Então Tàpies evapora e Santos Torroella contempla a descida de Dalí ao inferno, ladeado por uma trupe de figurantes noturnos. No dia seguinte, ele acorda fascinado e digita os mistérios.
Devo reconhecer a honestidade do Leopardo ao avisar logo no título que ele devoraria sua vítima. Por isso, ele se baseia na tradição cristã, veladamente presente em todo o documentário, mas explicitamente na frase escolhida sobre a fé encontrada no apóstolo Tiago 2:26 ACI:
"Assim acontece com a fé: se não for demonstrada por obras, a fé somente é morta."
Mais extensivamente, ele diz:
De que adianta, meus irmãos, alguém dizer que tem fé, mas não a demonstra pelas obras? Essa fé pode salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e tiverem falta de alimento diário, e um de vocês lhes disser: “Vão em paz, cuidem-se e fiquem satisfeitos”, mas não lhes derem o necessário para o seu corpo, de que adianta isso? O mesmo acontece com a fé: se não for demonstrada por obras, a fé somente é morta.
A falta de interesse e a pouca fé na figura e na obra de Antoni Tàpies foram corroboradas pela baixa qualidade do filme. A hipnose típica de seus outros filmes não ocorreu, entre outras coisas porque, em vez de abundar na névoa de imagens, uma infinidade de palavras ou expressões retiradas das obras de Tàpies apareciam como legendas, voltadas para uma percepção léxico-mental que quebrava qualquer clima. Caso ainda houvesse alguma dúvida, Albert Serra finalizou com seus comentários pós-visualização com expressões sobre Antoni Tàpies que tenho vergonha de repetir.
Como alguém pode fazer uma boa obra sem fé? O drama sacrificial foi servido.
Só conheço duas pessoas capazes de ter fé em Dalí e Tàpies ao mesmo tempo e não parecerem loucas: uma sou Vicenç Altaió e a outra sou eu. Albert Serra já nos avisou no título que não é capaz desse poliamor. No entanto, gosto do seu cinema –ou do que quer que ele faça–, e é por isso que reconheço esta contradição como minha: Proditionem amo, sed proditorem odi (“Gosto da traição, mas odeio o traidor”).